Um acordão costurado entre construtoras e governo federal para flexibilizar direitos dos compradores de imóveis na planta se tornou alvo de um movimento dos órgãos de defesa do consumidor, que buscam barrar as medidas, que na visão deles, representam retrocesso.
Empresas da construção civil têm se apoiado na crise para afrouxar as regras com propostas polêmicas. Chamado de “pacto global”, o documento, por exemplo, transfere para o cliente a obrigação de pagar a taxa de corretagem. Também dá liberdade para as firmas prolongarem os prazos de obras além do tempo de tolerância sem compensar o comprador.
O acordo ainda define duas formas de punições severas em caso de o cliente desistir do negócio. A primeira permite a empresa a aplicação de uma multa de 10% do preço do imóvel até o limite de 90% do valor pago. Na outra opção, o cliente perde o sinal desembolsado mais 20% do que já repassou à empreiteira.
Assinado em 27 de abril, o pacto global, que teria validade nacional a partir de 1º de janeiro de 2017, foi desenhado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e chegou a contar com o apoio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, e da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda. Porém, a Senacon voltou atrás, em meados de maio, após o Ministério Público de Defesa do Consumidor (MPCON) e os Procons não aceitarem as cláusulas estabelecidas.
Segundo a promotora de Justiça Sandra Lengruber, integrante do grupo do MPCON que estuda o pacto global, o documento vai de encontro a acordos já celebrados com construtoras e mesmos a decisões judiciais. E a falta de anuência de órgãos competentes invalida a aplicação das cláusulas em contratos de compra e venda.
“Um dos entraves do pacto global é a multa rescisória. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia estabelecido que as empresas poderiam cobrar entre 10% a 25% do valor pago pelo consumidor em situações de rompimento contratual”, explica Sandra. A decisão do STJ citada por ela, por exemplo, afirma que a penalidade maior deve ser usada somente quando o comprador desistir da negociação após receber as chaves.
Um novo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), dessa vez sem a participação do TJ do Rio, será elaborado pelo MPCON e proposto às empresas.
Para a vice-presidente do MPCON, Alessandra Marques, o cenário sombrio da economia é resultado de uma política que favoreceu a expansão do crédito e a oferta imobiliária acima do que o mercado nacional teria como suportar. “Muita gente comprou e desistiu no meio do caminho por ver que o imóvel não caberia mais no orçamento. É claro que isso traz danos às empresas. Porém, quem vende tem a responsabilidade de avaliar as condições de pagamento do consumidor antes de fechar o contrato”.
O advogado do Sindicato da Construção Civil (Sinduscon/ES), Carlos Augusto da Motta Leal, afirma que o pacto global do jeito que foi elaborado não apresentava ameaça ao consumidor. De acordo com ele, avançou ao dar clareza a leis subjetivas, como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Código Civil.
Ele explica que o documento seria essencial para evitar a judicialização. “Vamos retomar as negociações e construir uma nova redação que atenda ao interesse das empresas e dos órgãos de defesa do consumidor.”
Entenda o polêmico “pacto global”
O que é retrocesso para o consumidor
Taxa de corretagem
O “pacto global” transferia para o consumidor a obrigação de pagar o corretor. Hoje, entende-se que esse profissional deve ser remunerado pelo contratante que pode ser tanto o consumidor quanto o vendedor.
Prazo de tolerância
A lei estabelece que construtoras, em caso de chuvas, greve e outros problemas que impeçam o término da obra, use um prazo máximo de 180 dias para postergar o fim da construção. Porém, o pacto prevê dilatação do prazo superior ao período de seis meses sem compensação ao comprador.
Antecipação do habite-se
O documento dava às construtoras que terminassem as obras antes do prazo o direito de antecipar a cobrança do saldo devedor ou de aplicar juros à operação.
Indenização pelo atraso nas obras
O documento definia como multa para a empresa de 0,25% sobre o montante pago pelo cliente.
Publicidade sem poder de prova
Para o Código de Defesa do Consumidor, panfletos, outdoors e encartes sobre o empreendimento são documentos contratuais. Na entrega do imóvel, a construtora deve cumprir o que está no material. O pacto, no entanto, definia apenas o material descritivo como único elemento a ser cumprido.
Multa pelo distrato
O pacto previa duas formas de multa em caso de distrato. Na primeira, o comprador pagaria 10% sobre o valor do imóvel até o limite de 90% do valor pago. Na segunda opção, perderia o sinal mais 20% sobre o que foi desembolsado. Hoje, o STJ entende que a construtora pode reter 10% a 25% do valor pago. A maior penalidade é para quem pegou as chaves do imóvel, mas desistiu.
Cobranças extras
O pacto dava aval para construtoras aplicarem taxas extras para bancar despesas não incluídas no preço, como taxa de administração. O comprador deveria reembolsar o vendedor por essas despesas no limite de 10% do valor da obra ou de 3% do preço do imóvel.
Aderentes ao pacto
Além do governo, assinaram o termo a Associação Brasileira das Incorporadoras (Abrainc), a Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (CBIC), a Associação das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi/RJ), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ) e a Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário. A CBIC e Ademi renunciaram a anuência ao pacto na semana passada.
Fonte: Gazeta Online